Jornal Integração -
  • Facebook
  • Instagram
  • Youtube
  • Enocultura
    • MUNDO DO VINHO
    • EVENTOS
    • TURISMO
  • Negócios
    • ECONOMIA
      • ARTIGOS
      • AGRICULTURA E MEIO AMBIENTE
    • TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
    • POLÍTICA
  • Interesses
    • EDUCAÇÃO
    • RELIGIÃO
    • PETS
    • ESPORTES
    • MODA E ESTILO
  • Pesquisa
  • Menu Menu

Posts

ARTIGOS, DESTAQUES DO DIA

Sísifo e a Pedra de Todos Nós

Na mitologia grega, Sísifo era o mais inteligente e astuto dos mortais. Certa vez, Zeus, deus dos deuses, incomodado com seu comportamento, lhe enviou Tânato, a Morte. Sísifo não se intimidou: enganou Tânato e o trancou em um calabouço. A partir de então, ninguém mais morreria, o que irritou ainda mais os deuses.
Zeus, vendo aquilo, liberta a Morte e essa sai novamente ao encalço de Sísifo, e agora o alcança. Sísifo vai ao inferno, mas não se dá por vencido: lá consegue ludibriar Hades, guardião da morada dos mortos, e retorna ao mundo. Vive longa vida e morre de velhice. Mas seu castigo estava guardado: ao chegar ao inferno, e por ter logrado a Morte por duas vezes, ele é condenado a arrastar eternamente uma imensa pedra até o cume de uma montanha, só para vê-la rolar ladeira abaixo assim que próxima ao cume. Estava colocada a maldição de Sísifo. Até o fim dos tempos.
O mito de Sísifo expressa uma experiência fundamental e que toca a todos os homens. Em pleno século XXI, todos sentimos a dor de Sísifo em nossa vida cotidiana. Isso porque, o mito nos fala da inutilidade de todos os nossos afazeres sob o Sol. Sísifo é o próprio Eclesiastes: cético e desesperançoso, às voltas com a falta de sentido de todos os nossos atos. Esse herói nos mostra que nada mais fazemos do que rolar a nossa pedra, o nosso fardo diário feito de labuta e rotina, até o dia em que a morte nos alcançará.
Nem tudo em Sísifo é amargura, no entanto. Se soubermos olhar, há nesta história uma mensagem de perseverança e coragem. Camus, filósofo francês do absurdo, nos diz que na descida de Sísifo atrás da pedra também mora a alegria. Sim, não há como escapar da rocha descomunal – quinhão de todo homem –, mas nela também habita o sentido da existência. “É preciso imaginar Sísifo feliz”, arrebata o filósofo.
Enquanto a pedra despenca morro abaixo, Sísifo pode apreciar a paisagem, ele está livre – mesmo que temporariamente – e a pedra que se dane! O rochedo (a dor de viver) nada pode contra os momentos felizes que vivenciamos em nossa curta jornada pela Terra. Mesmo que a pedra tenha que ser novamente empurrada.
A pedra de Sísifo simboliza a vida como ela é, com seus percalços, fracassos, erros, medos, angústias e frustrações. Mas também com alegria, esperança, beleza, fantasia e, sobretudo, o amor. Há que se aceitar a pedra que rola montanha abaixo, após tanto esforço em com ela subir. Essa rocha que para sempre despencará, desafiando nossa determinação. Mas desistir da pedra é pior do que ser esmagado por ela, pois então nada mais restará a não ser a falta total de sentido.
Sísifo nos ensina que é necessário atuar sobre a pedra, mesmo sabendo que ao final ela irá parar ao pé da montanha. A própria luta em face da pedra já tem todo o sentido de que Sísifo precisa. Isso vale a todos nós. Ao final, tudo é questão de como empurramos nossa pedra diária. Podemos fazer isso com amargura ou alegria.
As pedras, esses obstáculos com as quais nos defrontamos por toda a vida, estão aí, é fato. Mas, se é certo de que haverá pedras, ninguém deve carregá-las consigo, no entanto. Não se colocam pedras em uma cesta, aumentando o peso da jornada. A existência já é pesada por si só.
Pedras, lembremos, podem servir para construir uma escada. Uma casa. Uma catedral. Pedras, ao final, tem o sentido que damos a elas. Assim como na vida.
É preciso aceitar a pedra; arrastar a pedra; vencer a pedra. Camus tinha toda a razão: é preciso imaginar Sísifo feliz.

* * *
Prezados leitores e estimadas leitoras:
Desejo-lhes um Feliz e Abençoado Ano Novo, com muita saúde e paz. E que, em 2025, sigamos empurrando nossa pedra, com muita alegria,
coragem e determinação.

Por Rogério Gava

14 de janeiro de 2025/0 Comentários/por Kátia Bortolini
https://www.integracaodaserra.com.br/wp-content/uploads/2025/01/Rogerio-Gava-2.jpg 670 1080 Kátia Bortolini https://www.integracaodaserra.com.br/wp-content/uploads/2021/08/Integracao.png Kátia Bortolini2025-01-14 18:26:132025-01-14 18:26:13Sísifo e a Pedra de Todos Nós
ARTIGOS, DESTAQUES DO DIA

Estações

O clima invoca sentimentos. Não sei se o caro leitor e a estimada leitora também têm essa impressão. Os primeiros ventos frios anunciando o fim do verão, por exemplo: é só chegarem e o guri que fui bate à porta. Tive uma infância de datas precisas e estações bem definidas. Os mais velhos irão se lembrar: verão era verão, inverno era inverno, e as aulas começavam religiosamente no dia 1º de março. Sempre. Recordo que colegas aniversariantes nesse dia eram alvo de chacotas: “baita” azar fazer aniversário justo no dia em que as férias acabavam!
Na minha mente simples de garoto era assim que o calendário funcionava: três meses de calor, piscina e praia. Tudo isso recheado pelo Natal – ou seja, presentes – e pela festa da virada do ano, onde podíamos ficar acordados até tarde. Sobrava tempo livre, sem temas da escola, para ler gibis de faroeste e assistir televisão. Além de brincar na rua, sem a preocupação com a segurança de hoje. As férias eram um viveiro de prazeres.
As manhãs já não tão quentes de março anunciavam as aulas. Até hoje posso sentir o cheiro maravilhoso dos livros e cadernos novos em folha, das borrachas, dos lápis, estojos, pastas (não havia mochilas), guaches, pincéis e – o ápice – das “canetinhas hidrocor”, que não eram bem-vistas por muitos professores (uma vez escrito não apagava mais) e muito menos pelos pais, pois eram caras.
Logo depois do início das aulas – “logo” aos meus olhos de hoje, pois naquele tempo um mês parecia um século – vinha a Páscoa, e com ela o frio definitivo; era batata. Pelo menos não me lembro de “calores” fora do lugar. E no Domingo de Páscoa quase sempre chovia. Chuva, frio, almoço fora com a família e chocolate liberado. A vida era só o sublime agora das crianças.
Na metade do ano o frio pegava para valer. Ia-se a pé à escola, exceto quando chovia muito, e nos encapotávamos até os dentes para enfrentar a caminhada. Sempre de olho no relógio, pois atraso – mesmo de um minuto – significava bater com a cara no portão da escola e encrenca com a direção.
Chegava, então, a primavera, anunciada pela sinfonia estridente das cigarras. Com ela, os primeiros prenúncios de que o inverno ficara definitivamente para trás. Começavam os ensaios para o desfile de 7 de setembro. Uma lembrança marcante: a celebração abria oficialmente a venda de picolés pelos ambulantes. Estranho, mas até então não se via nenhum; eles surgiam nesse dia como que descidos de uma nave espacial da felicidade gelada. Lembro aos mais novos que não existia essa coisa de tomar sorvete ou picolé todo o ano, como é hoje. Picolé só existia no verão. No inverno dava gripe e mandava as pessoas para o hospital; rezava a lenda que eles podiam até matar!
Passado setembro, engatávamos o túnel que levava ao final do ano. O calor começava a retornar. O objetivo agora era acabar as aulas sem exame, para ter mais férias. E, por que não dizer, sentir aquele ar de superioridade intelectual em relação aos outros que não haviam conseguido passar direto. E lá estávamos nós outra vez, às portas do verão e do Natal.
As estações mudaram ou eu mudei? As duas coisas ao mesmo tempo, creio. O clima anda meio louco, e, às vezes, a impressão que temos é que as estações não têm mais os limites tão bem desenhados como outrora. Quanto à criança que fui, essa saiu de cena já faz tempo, é claro. Mas não desapareceu por completo; apenas se escondeu. Volta e meia ela aparece. Como um dia desses, quando comentou comigo que as noites de verão são as melhores para observar as Três Marias na constelação de Órion. Já estou arrumando o meu velho telescópio…
* * *
Um Feliz e Abençoado Natal a todos os leitores e leitoras desse espaço. Que saibamos sempre conservar a criança que fomos. Afinal, como disse o Cristo, é delas o Reino dos Céus.

Por Rogério Gava

23 de dezembro de 2024/0 Comentários/por Kátia Bortolini
https://www.integracaodaserra.com.br/wp-content/uploads/2024/12/Rogerio-Gava-1.jpg 670 1080 Kátia Bortolini https://www.integracaodaserra.com.br/wp-content/uploads/2021/08/Integracao.png Kátia Bortolini2024-12-23 20:33:162024-12-23 20:33:16Estações
ARTIGOS, DESTAQUES DO DIA

Sobre buracos

Leio que no centro de nossa galáxia mora um Buraco Negro, um ralo supermassivo que a tudo traga, com o peso de quatro milhões de Sóis. Um poço sem fundo do espaço-tempo, de onde nem a luz escapa. Mas não vamos criar alarde por nada: ele está a 26.000 anos-luz de nossa querida Terra. E, explicam os astrônomos, parece estar adormecido, se contentando em fazer pequenos lanchinhos de gás e poeira nas imediações. De sorte, que, pelo menos por enquanto, não há motivo para pânico, tampouco para vender os bens.
Falando em buraco, prefiro aquele de “Alice no País das Maravilhas”. A toca do Coelho Branco, por onde caiu Alice, nos abre o mundo da fantasia, da imaginação, das perguntas e respostas que nos fazem pensar. O buraco mágico inventado por Lewis Carroll, depois de tanto tempo, segue a nos provocar. Um buraco sábio, com toda a certeza.
Às vezes, é preciso cair em um buraco para pensar melhor, como aconteceu com Alice. Noutras, pensar muito é que nos leva para o buraco. Como ocorreu com Heráclito, o filósofo grego. Aquele do ditado de que não nos banhamos duas vezes no mesmo rio. Pois é, conta a lenda que o sábio andava pelas ruas de Éfeso sempre olhando para o céu, buscando respostas para o sentido da existência. Não deu outra: um belo dia caiu em um buraco e ficou lá preso. Coitado, virou chacota na cidade. Ficou conhecido como o “filósofo do buraco”.
Isso me lembrou de outra história célebre, a Caverna de Platão, que não deixa de ser um buraco. Talvez a alegoria filosófica para a existência mais perfeita já escrita. O mito da caverna nos mostra a ilusão do conhecimento humano, e como julgamos saber muito mais do que na realidade sabemos. De como nossas ilusões e paradigmas embaçam o raciocínio. A parábola de Platão ensina que, para enxergar mais longe, é preciso abandonar a caverna de ignorância que habitamos. E que julgamos ser a única que existe.
É preciso, antes de tudo, sair do buraco.

Por Rogério Gava

4 de dezembro de 2024/0 Comentários/por Kátia Bortolini
https://www.integracaodaserra.com.br/wp-content/uploads/2024/12/Rogerio-Gava.jpg 670 1080 Kátia Bortolini https://www.integracaodaserra.com.br/wp-content/uploads/2021/08/Integracao.png Kátia Bortolini2024-12-04 17:30:202024-12-04 17:30:20Sobre buracos
ARTIGOS, DESTAQUES DO DIA

O funeral dos Neandertais

Imagine o mundo há trezentos mil anos. Estamos em plena era glacial. O gelo recobre boa parte do que irá se tornar a Europa. O frio é implacável e o alimento escasso. Nessa paisagem, uma cena perdida no tempo: em uma gruta próxima a um riacho, um grupo de Neandertais – nossos parentes longínquos – se prepara para mais um dia de labuta na inóspita Idade da Pedra.

Já amanheceu e o líder do bando, junto com dois companheiros, sai para garantir o almoço. As mulheres ficarão nas imediações do acampamento, cuidando das crianças e mantendo o fogo aceso. Não muito longe dali, no alto de um declive, os caçadores encontram um cervo desavisado. Uma presa relativamente fácil para os robustos e hábeis Neandertais. Eles escalam o morro com cuidado para não afugentar o animal. Mas, eis que um dos homens se desequilibra e cai lá de cima. Em pânico, os outros descem correndo a encosta para acudir o coitado. Encontram-no, no entanto, já sem vida, deitado ao sopé do monte.

O morto, porém, não será deixado aos abutres. A família Neandertal irá sepultá-lo em uma pequena cova aberta próxima ao acampamento. Antes de lançar terra à sepultura, as mulheres depositarão flores silvestres ao lado do corpo. Também alguns ossos e dentes de animais. Os companheiros ecoarão alguns sons, cobrirão o sepulcro e finalmente irão embora. Uma cena simples, mas com um significado grandioso: pela primeira vez na história, um grupo de homens acaba de enterrar um morto.

Até onde se sabe, os Neandertais foram os primeiros humanos a realizar sepultamentos. O porquê de agirem assim ainda é um mistério. Para alguns paleontólogos, isso evitava simplesmente que o cadáver atraísse predadores indesejados. Mas há aqueles que conferem a essa prática um significado especial: os Neandertais assim agiam por terem tomado consciência da finitude. Por isso se preocupavam em celebrar a partida dos que pereciam. A tristeza pela morte inexorável; o sentimento de perda pelos que partiam: foi isso que fez com que os Neandertais passassem a sepultar os membros do grupo.

Discussões científicas à parte, prefiro essa segunda hipótese. É mais poética. Mais inspiradora. Gosto de pensar nos atarracados e fortes Neandertais se despedindo respeitosamente de seus mortos. Uma atitude que começou a separar o homem ainda mais dos outros animais. E que seguiu por centenas de séculos, até nossos dias. Uma atitude que ajudou, também, a nos tornar humanos.

A dúvida, no entanto, persiste. Os Neandertais tinham realmente consciência do fim inevitável? Acreditavam na vida após a morte? Era por isso que sepultavam os mortos? Ninguém sabe ao certo. Talvez nunca saberemos. Perguntas sem resposta. Indagações que cercam o mistério do Alfa e Ômega da existência. Esse enigma que se põe diante do homem desde que, em um dia qualquer esquecido na história, um Neandertal suspirou diante do fim.

Por Rogério Gava

4 de novembro de 2024/0 Comentários/por Kátia Bortolini
https://www.integracaodaserra.com.br/wp-content/uploads/2024/11/Rogerio-Gava-1.jpg 670 1080 Kátia Bortolini https://www.integracaodaserra.com.br/wp-content/uploads/2021/08/Integracao.png Kátia Bortolini2024-11-04 16:51:272024-11-04 16:51:27O funeral dos Neandertais
ARTIGOS, DESTAQUES DO DIA, GERAL

Vidas e memórias submersas

“Os objetos que compramos, e levamos para casa, inventam para nós um projeto de felicidade. Instalados na sala, eles falam, têm sentimentos, preservam a memória, sobrevivem a nós. Nenhum objeto é pária, merece ser marginalizado.”
Nélida Piñon, Livro das Horas
Vivemos tempos de tristeza e apreensão. Tristeza, pelas famílias enlutadas, que perderam entes queridos na tragédia que assolou nosso querido Rio Grande. Apreensão, pelo sentimento de que a fatura climática chegou e que daqui para diante, muito provável, a realidade nunca mais seja a mesma.
Choramos, antes de tudo e sempre, as irreparáveis perdas pessoais. Nada vale mais do que a vida. Mas, choramos, também, aqueles que perderam suas casas e tudo aquilo que nelas estava. Vidas inteiras em forma de concreto, tijolos, madeira, móveis e objetos, arrastadas pelas águas.
Sinto profunda compaixão por essas pessoas que tudo perderam – a casa e o que nela habitava – e que apenas puderam assistir atônitos seus pertences sendo tragados pela enchente. Os objetos que se foram não eram apenas “coisas”, mas memórias vivas, atômicas, materiais, de toda uma vida. Guardar objetos é uma forma de aprisionar o tempo, de manter vivos os momentos. Todo esse passado, para muitas famílias, foi levado pela correnteza.
Um porta-retratos, o álbum de casamento, o móvel que foi herança da avó, o velho relógio de parede: guardiões silenciosos de nossas histórias. A poltrona surrada não é apenas um lugar de descanso: é um trono de memórias. Poderá ser reposta, é verdade, mas não será mais a mesma “poltrona”. Quantas toneladas de recordações sucumbiram à revolta do clima que nos abateu?
Utensílios domésticos, tão comuns e simplórios, não fugiram a essa dor. A panela que cozinhava as refeições de família, o cobertor que aquecia noites frias, a cuia de chimarrão que tantas conversas embalou. A violência das águas transformou esses objetos em meras lembranças, fazendo do conhecido um espectro; da segurança, uma incerteza.
A reconstrução, no entanto, já surge no horizonte. Com ela, o desafio: reconstruir não só a vida física, material, mas também as memórias que os objetos deixaram. Se não há mais casa, haverá sempre a lembrança de uma casa construída com tanto esforço, e que dará lugar a outra, um tanto estranha no início, mas que guardará a lembrança daquela que a sucedeu. O presente sendo aquecido pelo passado. Em busca de um futuro.
A água pode ter levado muito, mas não a perseverança. Aquela da qual falava Spinoza, que representa o ímpeto de seguir em frente, de “perseverar no seu ser”, como o bom filósofo gostava de dizer. A chama que brilha mesmo nas noites mais escuras. A força invisível que nos faz levantar em cada queda.
Embora o momento seja de dor e até de desesperança, daremos a volta por cima. Tenho certeza de que nossa determinação em recomeçar, em criar novas memórias e encontrar beleza no renascimento, essa, a água não levou.
Por Rogério Gava
5 de junho de 2024/0 Comentários/por Kátia Bortolini
https://www.integracaodaserra.com.br/wp-content/uploads/2024/06/Rogerio-Gava.jpg 670 1080 Kátia Bortolini https://www.integracaodaserra.com.br/wp-content/uploads/2021/08/Integracao.png Kátia Bortolini2024-06-05 13:55:372024-06-05 13:55:37Vidas e memórias submersas
ARTIGOS, DESTAQUES DO DIA, GERAL

Ter

José Mindlin, o saudoso bibliófilo, que ao longo da vida montou uma das maiores e mais raras bibliotecas do Brasil, costumava dizer: “meus livros não me pertencem, eu apenas os guardo; sou um guardião de livros”. Tanto que, ao morrer, doou a maior parte de sua preciosíssima coleção, avaliada em milhões de dólares, para a Universidade de São Paulo. Essa atitude me inspira já há um bom tempo. Reconhecer, sinceramente, que nossos “pertences”, no fundo, não nos pertencem. Uma lição de humildade e de sabedoria diante da fugacidade da vida.

“Nada fica de nada, nada somos”, escreveu Pessoa, grande poeta. E “nada temos, apenas usamos”, poderíamos complementar. Meu carro, minha casa, minhas roupas, meus livros, minha conta corrente: apenas bens de empréstimo. Nada disso será meu quando eu não estiver mais por estas paragens. Sou feliz, portanto, não por ter, mas pelo uso que faço do que tenho. Pela oportunidade única de usufruir.

Tudo isso me faz lembrar de um conto do grande escritor russo Leon Tolstói, chamado “De quanta terra precisa o homem?”. É a história do camponês Pahóm, um homem obcecado pelo desejo de riqueza. “Se eu tivesse muita terra, não temeria nem mesmo o próprio diabo”, dizia ele.

O demônio, no entanto, certa vez o escuta, e faz com que Pahóm fique enfeitiçado pela ideia de juntar cada vez mais. O camponês parte então para a terra dos Bashkirs, onde poderia adquirir mais propriedades. Lá chegando, é desafiado pelo chefe da aldeia: ele teria toda a terra que conseguisse percorrer a pé durante um dia. Porém, deveria retornar ao ponto de partida antes do poente. Caso contrário, perderia tudo.

Pahóm aceita o desafio, mas, louco de ambição, vai muito longe, e exaure todas as forças para conseguir retornar antes de o Sol se pôr. Quando finalmente completa a jornada, cai morto, esgotado pelo esforço extremo que fizera. Apenas um metro e oitenta de chão foi necessário para sepultá-lo. Era essa toda a terra de que Pahóm necessitava.

Nada levaremos ao final da jornada. O desapego, no entanto, é difícil, e levante o braço quem acha o contrário. Lutamos pelo que temos e nos apegamos aos bens materiais, às “nossas” coisas. É compreensível. Mas, inebriados pela posse, esquecemos que, no exato segundo de nosso desaparecimento, nada mais nos pertencerá.

O defunto, coitado, leva para baixo da terra apenas uma veste. Todo o resto do guarda-roupa, sabe-se lá a que fim será dado. O ter é uma ilusão. Nossos sonhos de propriedade são areia ao vento. Poeira que se desfaz. É bom sempre lembrar disso. Para não terminarmos como o pobre camponês do conto, que morreu de tanto querer acumular.

Por Rogério Gava

25 de abril de 2024/0 Comentários/por Kátia Bortolini
https://www.integracaodaserra.com.br/wp-content/uploads/2024/04/Rogerio-Gava.png 670 1080 Kátia Bortolini https://www.integracaodaserra.com.br/wp-content/uploads/2021/08/Integracao.png Kátia Bortolini2024-04-25 17:11:322024-04-25 17:11:32Ter
ARTIGOS, DESTAQUES DO DIA

Medos

Por Rogério Gava

Das muitas tiradas geniais do saudoso Mário Quintana, guardo uma em especial: dizia o poeta que “o mal dos aviões é que não se pode descer a toda hora para comprar laranjas”. Eu, que prefiro guardar distância de aeroportos e sou cliente assíduo das tendas de beira de estrada, assino embaixo. Tá certo, ver a paisagem lá de cima até que é legal. Mas melhor ficar por aqui embaixo mesmo. Qualquer problema, pelo menos dá para correr.

Essa história de avião me faz pensar nos tantos medos que nos afligem. Hoje, nossos medos se potencializaram. Como comenta o filósofo Luc Ferry, temos medo de tudo. Do efeito estufa, do sal, da velhice, dos hormônios do frango, dos agrotóxicos, do colesterol, da infecção hospitalar, de perder o emprego, do açúcar, do câncer, do microondas, dos raios solares, dos transgênicos. Como Ferry vive na França, teríamos que acrescentar à lista medos mais brasileiros: de assalto, de sequestro relâmpago, de bala perdida, da violência no trânsito. Enfim, a lista é grande.

É claro que existem medos bem reais. Medo de um acidente ou de uma cirurgia. Mas – nos ensina o filósofo – há outros medos a nos importunar. Por exemplo, o medo social. O medo do olhar do outro, da reprovação alheia. Isso explica o pavor quase universal de falar em público, que tanto assombra os universitários na época das bancas. Há também os medos psíquicos, as fobias. Medo de ficar trancado no elevador, de multidões, de aranha. Existem ainda as obsessões, espécie de medo mais neurótico: fechei o gás? A porta da garagem?  Melhor voltar para conferir…

O maior medo de todos, contudo, é o medo da morte. Aliás, a grande maioria de nossos medos nada mais é do que o medo da morte disfarçado. Dissimulado. A morte é o nosso medo dominante, que dá vida a quase todos os outros. Tememos pela nossa própria morte. Tememos, muito mais, pela morte daqueles que amamos. O terror de nunca mais vermos quem mais queremos. É por isso que as religiões fazem tanto sucesso. Elas nos aliviam do pânico da morte, dizendo que depois há algo mais. Que vamos todos, algum dia, nos reencontrar. Nesse sentido, a religião dá de dez a zero na morte.

Eu sei, o medo tem seu lado bom, quando serve como mecanismo de defesa. É o que ocorre quando evitamos uma rua escura e erma à noite. Sobrevivemos como espécie, também, graças ao medo inteligente. O medo que nos protege e nos afasta dos perigos. E nada mais perigoso do que não ter medo algum. O problema, contudo, é quando o medo nos paralisa. Nos parasita. E aí passamos a ter medo de tudo. Da mudança. Do futuro. De tentar. Do que os outros vão falar. Então, aprisionados pelo medo, deixamos de viver.

Se vencer totalmente o medo é impossível, sucumbir a ele é covardia. Encarar nossos medos de frente, pesá-los e não nos deixar enganar por eles. Saber diferenciar o que é medo real e o que é produto das nossas limitações e imperfeições. O que é desculpa para continuarmos na segurança ilusória da acomodação. Tarefa difícil, bem sei. Mas, sem risco, nada se faz. Nada se alcança. E, afinal, como bem ensinou Guimarães Rosa, viver é negócio muito perigoso, e o que a vida quer da gente é coragem.

Do livro “FELICIDADE”.

23 de outubro de 2023/0 Comentários/por Kátia Bortolini
https://www.integracaodaserra.com.br/wp-content/uploads/2023/10/pexels-pixabay-247314.jpg 634 1022 Kátia Bortolini https://www.integracaodaserra.com.br/wp-content/uploads/2021/08/Integracao.png Kátia Bortolini2023-10-23 17:33:172023-10-23 17:46:26Medos

DESTAQUES DO DIA

Sicredi Serrana inaugura sexta agência em Bento Gonçalves
Sicredi Serrana intensifica apoio a 76 vinícolas na Wine South America
Monte Belo do Sul sedia inauguração da sinalização da Rota dos Capitéis
Vinícolas familiares da região estarão na vitrine na Wine South America
Garibaldi sedia XIV Fórum Mundial de Cooperativas Vitivinícolas

EDITORIAS

  • AGRICULTURA E MEIO AMBIENTE
  • ARTIGOS
  • BELEZA E ESTÉTICA
  • CULTURA E ENTRETENIMENTO
  • EDUCAÇÃO
  • ECONOMIA
  • EVENTOS
  • ESPORTES
  • GASTRONOMIA
  • GERAL
  • MODA E ESTILO
  • MUNDO DO VINHO
  • PETS
  • POLÍTICA
  • RELIGIÃO
  • SAÚDE E ALIMENTAÇÃO
  • SEGURANÇA PÚBLICA
  • TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
  • TURISMO
  • Facebook
  • Instagram
  • YouTube

REDES SOCIAIS

Sinta-se à vontade para nos enviar sugestões de pauta

Link to: CONTATO

TELEFONE

+55 (54) 3454.2018 / 3451.2500

E-MAIL

katia@integracaodaserra.com.br

WHATSAPP

+55 (54) 999743579

AVISO LEGAL

As informações deste site são de conteúdo jornalístico, obtidas pela equipe de reportagem da Empresa Jornalística Integração da Serra. E, também, em releases enviados por assessorias de imprensa. Nos esforçamos para manter as informações atualizadas e corretas. As publicações obedecem ao propósito de refletir as diversas tendências da sociedade e estimular o debate dos problemas de interesse comunitário. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade do autor e não traduzem, necessariamente, a opinião do Portal Integração.

100%

De confiabilidade

+20

Anos de experiência

24

Horas por dia On-Line

Scroll to top

Este site usa cookies para personalizar o conteúdo e analisar o tráfego a fim de oferecer a você uma experiência melhor.

OKPolítica de Cookies

Cookie and Privacy Settings



How we use cookies

We may request cookies to be set on your device. We use cookies to let us know when you visit our websites, how you interact with us, to enrich your user experience, and to customize your relationship with our website.

Click on the different category headings to find out more. You can also change some of your preferences. Note that blocking some types of cookies may impact your experience on our websites and the services we are able to offer.

Essential Website Cookies

These cookies are strictly necessary to provide you with services available through our website and to use some of its features.

Because these cookies are strictly necessary to deliver the website, refuseing them will have impact how our site functions. You always can block or delete cookies by changing your browser settings and force blocking all cookies on this website. But this will always prompt you to accept/refuse cookies when revisiting our site.

We fully respect if you want to refuse cookies but to avoid asking you again and again kindly allow us to store a cookie for that. You are free to opt out any time or opt in for other cookies to get a better experience. If you refuse cookies we will remove all set cookies in our domain.

We provide you with a list of stored cookies on your computer in our domain so you can check what we stored. Due to security reasons we are not able to show or modify cookies from other domains. You can check these in your browser security settings.

Other external services

We also use different external services like Google Webfonts, Google Maps, and external Video providers. Since these providers may collect personal data like your IP address we allow you to block them here. Please be aware that this might heavily reduce the functionality and appearance of our site. Changes will take effect once you reload the page.

Google Webfont Settings:

Google Map Settings:

Google reCaptcha Settings:

Vimeo and Youtube video embeds:

Privacy Policy

You can read about our cookies and privacy settings in detail on our Privacy Policy Page.

Accept settingsHide notification only