COMO OUTONO PARA O VERÃO

Muitas são as indagações que o ser humano tem a respeito do sentido da vida, do que é que vale a pena na vida, se a vida em si vale a pena, enfim, dúvidas filosóficas e espirituais que questionam, também, a própria razão da existência.
E assim seguimos os dias, na transição dos anos, semanas, meses e estações. Comemorando a chegada das Festas, do calor, das férias, do Carnaval, da sexta-feira; lamentando o final das folgas, as segundas-feiras, a chegada do frio. Reclamamos dos extremos na temperatura, 40 graus ou 5 graus, que nos fragilizam e interferem em nossa disposição e rendimento. Queremos, todos, o clima ideal, mas que certamente, varia entre as preferências de todos. Sendo assim, sempre vamos conviver com as queixas.
E do auge dos 40 graus, de um dia para o outro, após viração do tempo, eis que o sol já não é mais o mesmo em sua luz, intensidade, brilho, direção. De um dia para o outro, não é mais verão. E não temos nada a fazer a respeito, a não ser nos adaptarmos à nova estação. Certamente, as mudanças da troca de estação não foram de um dia para o outro, embora, talvez sentidas como se fossem.
No decurso da vida, muitas são as situações que se assemelham a isso, em que transitamos entre infância e adolescência, entre maturidade e velhice, entre saúde e doença, entre a vida e a morte. Um certo dia nos damos conta de diferenças e nem sabemos bem quando a transformação aconteceu, mas já estamos inseridos nas novas condições, bem ou mal, querendo ou não. E então, seguem-se os tais questionamentos sobre a vida, o que de fato vale a pena, o que nos faz felizes, como viver nas novas condições?
Alguns versos de Cecília Meireles podem ilustrar esta sensação:

Tu tens um medo: acabar.
Não vês que acabas todo o dia
Que morres no amor
Na tristeza
Na dúvida
No desejo.
Que te renovas todo o dia
No amor
Na tristeza
Na dúvida
No desejo.

Versos que também falam da dualidade das coisas da vida, tudo tem seus dois lados, amor, tristeza, dúvida, desejo, podem ser pesadas bagagens ou leves inspirações, em momentos diferentes da vida, da nossa maturidade, da nossa condição afetiva e socioeconômica. Então, Cecília também acena dizendo que a vida só é possível reinventada. E isto, nos parece que apenas por mágica. Como se reinventa a vida?
Cada estação do ano chega com suas características conhecidas, apesar de bastante inconstantes, ultimamente, e nos encontra vivendo as mais diferentes situações. A cada nova estação, como agora, no outono, novidades em nossos dias. Nunca somos os mesmos, mudamos como as estações e reinventamos a vida, muitas vezes, até sem perceber, tanto quanto nos adaptamos ao clima, trocando bermudas e regatas por camisas e casacos. Reinventamos aos poucos, vivendo dia a dia, até percebermos que estamos no centro de uma nova estação, também impermanente.
Como seres da natureza, somos também inconstantes e nos transformamos ao sabor da vida. Que possamos compreender o fluxo e também nos alegrarmos, pois agora estamos aqui, com inúmeras possibilidades pela frente. E novamente Cecília nos inspira: Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa.

O HOMEM MAIS FELIZ DO MUNDO

A narrativa nos foi legada pelo historiador grego Heródoto. Conta ele que no século V antes de Cristo, existia um reino muito poderoso chamado Lídia, localizado na Ásia Menor (onde hoje é a Turquia). Lá, aos trinta e cinco anos de idade, subiu ao trono o rei Creso. Ele era um bom monarca; um tanto esnobe, é verdade, mas o povo da Lídia não tinha do que se queixar.
Eis que certo dia chega à Sárdis, capital do reino, um viajante vindo de Atenas, de
nome Sólon. Homem muito sábio, logo despertou a vaidade de Creso, que ordenou fosse ao visitante, mostrada toda a opulência do reino. Creso, você já entendeu, queria se exibir.
Após o tour por riquezas extraordinárias, que incluiu até piscinas gigantescas transbordantes de pedras preciosas, Sólon foi levado à presença do rei. Creso o aguardava em seu modelito básico: um manto cravejado de diamantes e bordado em ouro.
“E então, caro Sólon” – disse Creso – “ agora que viste as maravilhas de meu reino, me responda: quem é o homem mais feliz do mundo?”. Sólon, que não se deixara impressionar por toda aquela fenomenal fortuna, responde: “É Telos de Atenas, majestade”.
Creso ficou estarrecido. Perguntou então a Sólon quem era aquele tal de Telos, de quem nunca tinha ouvido falar. Como ele poderia ser o homem mais feliz do mundo?
Sólon então explica o porquê da escolha: “Telos era morador de Atenas, nem pobre, nem rico, com uma família numerosa e bela. Morreu de forma nobre, defendendo a cidade que amava. Até hoje é lembrado com láureas”.
Creso não entendeu muito bem o que Sólon estava querendo dizer. “Como um homem que já morreu pode ser o mais feliz do mundo?”, pensou ele. Creso, então, não satisfeito, perguntou a Sólon quem viria logo após Telos no ranking de felicidade. Afinal, o segundo lugar até que não estaria tão mal.
A resposta de Sólon traz nova decepção: “Cleóbis e Bíton” – diz ele –, “dois irmãos de uma nobre família de Argos, honestos e grandes guerreiros. São verdadeiros nacionais. Morreram de total fadiga, após percorrerem quarenta e cinco estádios puxando a carroça que levava a própria mãe doente ao templo”.
Creso, vendo que nem a medalha de prata da felicidade lhe fora reservada por Sólon, se enfurece de vez e vocifera com o visitante: “E eu, serei menos do que esse Telos e dos dois irmãos heróis? Além disso, estão todos mortos! Por acaso não viste toda a minha riqueza? Eu, o grande rei, vivo e afortunado?”.
Ao que Sólon argumenta: “Prezado rei, vossa majestade realmente é um homem muito poderoso e rico, além de admirado por seus súditos. No entanto, quem garante como estarás amanhã? Veja, só posso dizer se um homem é feliz quando sua vida se esgota, para que saibamos se ele morreu na felicidade ou na desgraça”.
Creso seguiu sem compreender. Ao contrário, ficou ainda mais bravo com Sólon. Assim, ordenou aos soldados que o mandassem embora de mãos vazias, sem nenhum dos presentes que a ele tinha reservado. Creso não admitia que alguém não o considerasse o homem mais feliz do mundo.
O tempo passou. Dois anos depois, Creso começou a se incomodar como os vizinhos Persas (atual Irã), que estavam ampliando o território de forma ameaçadora, sob o comando do rei Ciro. Creso, que não era de levar desaforo para casa, declara então guerra ao reino inimigo. Durante doze dias e doze noites os soldados dos dois lados guerreiam de forma cruel. Ao final, o exército da Lídia é derrotado e o rei condenado à morte.
O fim de Creso estava próximo. Já em seu suplício, ao alto da fogueira e contemplando a própria ruína, ele então começa a gritar: “Sólon, Sólon, Sólon!” Ciro, ouvindo aquilo, chama os intérpretes para interrogar Creso. Quem era esse Sólon que Creso tão fortemente evocava? Creso conta então toda a história sobre o aviso de Sólon a respeito da felicidade.
Ciro, emocionado, perdoa Creso, e ordena que o tirem do fogo. Esse, porém, já
está em altas chamas, que em vão os soldados tentam apagar. Com as labaredas
lhe alcançando os pés, Creso, em desespero, ergue as mãos para o céu e suplica
ao deus Apolo: “senhor dos oráculos, me salve deste fim terrível!”
Creso ainda bradava quando irrompeu uma chuva diluviana sobre o local,
apagando de vez o fogo. Ciro, impressionado com a história de Creso, o nomeia
conselheiro do rei. Creso, a partir daí, se torna um homem sábio e ponderado. E
muito mais humilde. Ele aprendera a lição de Sólon: a felicidade é sempre frágil e
provisória, e a nenhum homem – nem mesmo ao mais rico de todos – cabe saber
até quando será feliz.