Eros: a dualidade do amor

Os antigos gregos acreditavam em quatro diferentes manifestações do amor, e cada uma delas levava um nome. Eles eram Storge (o amor à pátria e à família), Ágape (a caridade e o amor aos deuses), Philia (o amor por escolha, amizade) e Eros (o amor romântico e sexual). Hoje, Dia dos Namorados, nos interessa este último, cujo nome vem de um deus controverso da mitologia greco-romana.

Para os gregos, Eros era um deus primordial, forjado do Caos, uma energia cósmica do amor que sustenta o Universo. Anterior a todos os olimpianos, era cultuado com imenso respeito, sendo, muitas vezes, retratado como amante de Afrodite e uma divindade admirada por outros imortais.

Na romana, porém, o Deus Amor ganhou uma representação mais humanizada: o famoso Cupido. Travesso, imprevisível e muitas vezes perigoso, voava por aí com aljava e flechas, atirando aleatoriamente nas pessoas e em outros deuses. Muitas vezes era retratado com uma venda, para representar o amor cego. Nessa versão, era filho de Afrodite e carregava sempre duas flechas: a dourada, de ponta arredondada, incitava o amor; a de chumbo e pontiaguda, a repulsão. Assim, o deus-criança se divertia com os sentimentos de suas vítimas.

Um dos episódios mais conhecidos envolvendo a divindade selou o destino de outro deus e de uma ninfa. Falo de Apolo e Dafne. Apolo, deus do sol, da música, da poesia e das artes, encantou-se com a beleza da Nereia Dafne, ninfa do rio, filha do deus Peneu e da titânide Terra. Orgulhoso por ter vencido a serpente mítica Píton, o deus-sol instituiu jogos sacros, nos quais sempre vencia competições de arco-e-flecha. Numa dessas ocasiões, o deus Cupido se apresentou para participar. Apolo riu do deus miúdo, gabando-se que suas flechas eram muito menos certeiras que as dele. Revoltado, Cupido voou ao alto do Monte Parnaso e, de lá, disparou duas flechas: a dourada, que desperta o amor, atingiu Apolo; a de chumbo, que gera repulsa, Dafne.

A partir daí, o mito conta que Apolo passou a perseguir a jovem ninfa, apresentando-se como filho de Júpiter, o poderoso Zeus, prometendo-lhe vida eterna em um palácio de requinte e ouro. A ninfa fugiu, assustada com a velocidade do deus que a perseguia, e que já cingia seus cabelos. Exausta, orou ao seu pai e à sua mãe e pediu para que a libertassem de sua forma que a fazia ser tão desejada. Seus pés se fincaram no chão, tornando-se raízes; suas pernas e torso formaram o tronco rijo, os braços os galhos sólidos, e seus cabelos se tornaram folhas: a jovem Dafne se metamorfoseou em um majestoso loureiro, para a súplica do deus-sol.

Apesar das peripécias, Cupido desempenhou um papel importante e de protagonismo nos mitos romanos, tornando-se um dos deuses mais importantes nas narrativas que atravessam o véu dos séculos. Que tenhamos a sorte e a graça de que suas flechas douradas nos acertem no momento certo, com a pessoa certa. A quem já foi abençoado pelo deus, um feliz dia! Que o amor seja presença constante.

 

Albani, Francesco. Apollo and Dhapne. Itália, 1578-1660

O HOMEM MAIS FELIZ DO MUNDO

A narrativa nos foi legada pelo historiador grego Heródoto. Conta ele que no século V antes de Cristo, existia um reino muito poderoso chamado Lídia, localizado na Ásia Menor (onde hoje é a Turquia). Lá, aos trinta e cinco anos de idade, subiu ao trono o rei Creso. Ele era um bom monarca; um tanto esnobe, é verdade, mas o povo da Lídia não tinha do que se queixar.
Eis que certo dia chega à Sárdis, capital do reino, um viajante vindo de Atenas, de
nome Sólon. Homem muito sábio, logo despertou a vaidade de Creso, que ordenou fosse ao visitante, mostrada toda a opulência do reino. Creso, você já entendeu, queria se exibir.
Após o tour por riquezas extraordinárias, que incluiu até piscinas gigantescas transbordantes de pedras preciosas, Sólon foi levado à presença do rei. Creso o aguardava em seu modelito básico: um manto cravejado de diamantes e bordado em ouro.
“E então, caro Sólon” – disse Creso – “ agora que viste as maravilhas de meu reino, me responda: quem é o homem mais feliz do mundo?”. Sólon, que não se deixara impressionar por toda aquela fenomenal fortuna, responde: “É Telos de Atenas, majestade”.
Creso ficou estarrecido. Perguntou então a Sólon quem era aquele tal de Telos, de quem nunca tinha ouvido falar. Como ele poderia ser o homem mais feliz do mundo?
Sólon então explica o porquê da escolha: “Telos era morador de Atenas, nem pobre, nem rico, com uma família numerosa e bela. Morreu de forma nobre, defendendo a cidade que amava. Até hoje é lembrado com láureas”.
Creso não entendeu muito bem o que Sólon estava querendo dizer. “Como um homem que já morreu pode ser o mais feliz do mundo?”, pensou ele. Creso, então, não satisfeito, perguntou a Sólon quem viria logo após Telos no ranking de felicidade. Afinal, o segundo lugar até que não estaria tão mal.
A resposta de Sólon traz nova decepção: “Cleóbis e Bíton” – diz ele –, “dois irmãos de uma nobre família de Argos, honestos e grandes guerreiros. São verdadeiros nacionais. Morreram de total fadiga, após percorrerem quarenta e cinco estádios puxando a carroça que levava a própria mãe doente ao templo”.
Creso, vendo que nem a medalha de prata da felicidade lhe fora reservada por Sólon, se enfurece de vez e vocifera com o visitante: “E eu, serei menos do que esse Telos e dos dois irmãos heróis? Além disso, estão todos mortos! Por acaso não viste toda a minha riqueza? Eu, o grande rei, vivo e afortunado?”.
Ao que Sólon argumenta: “Prezado rei, vossa majestade realmente é um homem muito poderoso e rico, além de admirado por seus súditos. No entanto, quem garante como estarás amanhã? Veja, só posso dizer se um homem é feliz quando sua vida se esgota, para que saibamos se ele morreu na felicidade ou na desgraça”.
Creso seguiu sem compreender. Ao contrário, ficou ainda mais bravo com Sólon. Assim, ordenou aos soldados que o mandassem embora de mãos vazias, sem nenhum dos presentes que a ele tinha reservado. Creso não admitia que alguém não o considerasse o homem mais feliz do mundo.
O tempo passou. Dois anos depois, Creso começou a se incomodar como os vizinhos Persas (atual Irã), que estavam ampliando o território de forma ameaçadora, sob o comando do rei Ciro. Creso, que não era de levar desaforo para casa, declara então guerra ao reino inimigo. Durante doze dias e doze noites os soldados dos dois lados guerreiam de forma cruel. Ao final, o exército da Lídia é derrotado e o rei condenado à morte.
O fim de Creso estava próximo. Já em seu suplício, ao alto da fogueira e contemplando a própria ruína, ele então começa a gritar: “Sólon, Sólon, Sólon!” Ciro, ouvindo aquilo, chama os intérpretes para interrogar Creso. Quem era esse Sólon que Creso tão fortemente evocava? Creso conta então toda a história sobre o aviso de Sólon a respeito da felicidade.
Ciro, emocionado, perdoa Creso, e ordena que o tirem do fogo. Esse, porém, já
está em altas chamas, que em vão os soldados tentam apagar. Com as labaredas
lhe alcançando os pés, Creso, em desespero, ergue as mãos para o céu e suplica
ao deus Apolo: “senhor dos oráculos, me salve deste fim terrível!”
Creso ainda bradava quando irrompeu uma chuva diluviana sobre o local,
apagando de vez o fogo. Ciro, impressionado com a história de Creso, o nomeia
conselheiro do rei. Creso, a partir daí, se torna um homem sábio e ponderado. E
muito mais humilde. Ele aprendera a lição de Sólon: a felicidade é sempre frágil e
provisória, e a nenhum homem – nem mesmo ao mais rico de todos – cabe saber
até quando será feliz.